Estudo revela como o passado colonial de Portugal ainda contribui para microagressões contra mulheres imigrantes nos dias de hoje
- Pedro Simão Mendes
- 2 days ago
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Um estudo do Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS-Iscte) e do ICS-ULisboa revela a forma subtil, mas generalizada, de discriminação que as mulheres migrantes enfrentam em Portugal. O estudo evidencia como as microagressões – atos subtis de preconceito no quotidiano – se relacionam com narrativas pós-coloniais que reforçam estereótipos, podendo levar à exclusão social.

Elena Piccinelli, ex-estudante do Doutoramento em Psicologia do Iscte, explica que as microagressões são comumente definidas como “pequenos comentários ou ações subtis que invalidam, ofendem, ou ou excluem pessoas com base em quem elas são”. Exemplos incluem perguntar “de onde és realmente?” ou presumir que uma pessoa é menos capaz com base na sua etnia ou o seu género. Embora muitas vezes sejam descartadas como incidentes irrelevantes, Elena esclarece que “as microagressões têm impactos psicológicos significativos, contribuindo para o stress, sentimentos de exclusão e perceções de não pertença”, especialmente porque se repetem ao longo do tempo.
As microagressões têm sido maioritariamente estudadas no contexto dos EUA, pelo que compreendê-las num contexto pós-colonial e cultural diferente pode contribuir para o desenvolvimento de estratégias mais eficazes e específicas para as combater. O estudo fez parte do doutoramento de Elena Piccinelli, supervisionado pela investigadora do CIS-Iscte Christin-Melanie Vauclair, e resultou de uma colaboração com a investigadora Filipa Madeira (ICS-ULisboa). O seu objetivo era compreender como as microagressões afetam as mulheres da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que vivem em Portugal.
Recorrendo a grupos focais, a equipa de investigação entrevistou mais de 50 mulheres imigrantes dos países da CPLP, todas elas residentes em Portugal por períodos que variavam entre 5 meses e 30 anos. Estas mulheres partilharam as suas experiências pessoais com este tipo de discriminação subtil. A análise das entrevistas revelou mais de 300 incidentes de microagressão, que as investigadoras organizaram em nove temas principais. Alguns desses temas, como pressupostos de inferioridade, criminalidade e generalizações culturais, estão alinhados com padrões anteriormente documentados em investigações realizadas nos Estados Unidos. No entanto, o estudo também revelou dois temas específicos do contexto colonial de Portugal: estereótipos relacionados com a língua e a comunicação (por exemplo, considerar o português falado nos países da CPLP inferior ou incorreto) e o mito do «bom colonizador». Estes temas evidenciam como certas crenças sobre o passado colonial, como a ideia de Portugal enquanto exemplo de um colonialismo benevolente, continuam a moldar, ainda hoje, as interações sociais e as perceções em Portugal.
“Utilizámos uma abordagem de dupla análise, integrando perspetivas psicológicas e socioculturais, o que revelou que as microagressões não são apenas atos individuais, mas estão enraizadas em narrativas sociais mais amplas”, esclarece Melanie Vauclair. De acordo com o estudo, muitas microagressões reproduzem crenças nocivas que retratam as mulheres imigrantes oriundas de países colonizados por Portugal, como o Brasil e vários países africanos, como inferiores, primitivas ou hipersexualizadas. “Estas são um reflexo dos estereótipos raciais herdados do período colonial, e que ainda hoje persistem”, explica Filipa Madeira.
No universo de imigrantes da CPLP, as mulheres constituem frequentemente mais de metade da população, mas recebem salários inferiores aos dos homens imigrantes e dos portugueses nativos. Neste contexto, os impactos psicológicos adicionais das microagressões exigem medidas urgentes, incluindo programas educativos que desafiem os estereótipos da era colonial e serviços de apoio para ajudar as mulheres imigrantes a lidar com estas formas subtis de discriminação.
"O nosso trabalho destaca a importância de abordar estas crenças sociais latentes para promover a empatia e a sensibilidade cultural", conclui Elena Piccinelli.
Texto escrito por Pedro Simão Mendes (Gestor de Comunicação de Ciência)