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Dos discursos de Greta Thunberg aos estereótipos sobre ativistas climáticos

Em dois estudos publicados em 2022 um grupo de investigadoras do Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS-Iscte) analisou os discursos de Greta Thunberg e os estereótipos associados aos ativistas climáticos. O primeiro estudo indica que as mensagens de Thunberg apresentam uma caracterização dos líderes mundiais e dos jovens que contrasta com a habitual: os líderes surgem como frios e incompetentes, e os jovens são valorizados como competentes, abrindo espaço a que assumam mais protagonismo na ação climática. O segundo estudo sugere que pode haver fatores de resistência a essa abertura, mostrando que os ativistas mais velhos são vistos como mais confiáveis do que os ativistas jovens, mesmo veiculando uma mensagem (radical) exatamente igual. Estes estudos enquadram-se numa linha de investigação do CIS-Iscte sobre ativismo e mudança social, que procura entender os discursos dos ativistas, os modelos de cidadania ambiental que defendem, e o que afeta as avaliações mais positivas ou mais negativas que recebem.

 

Os inquéritos mundiais mostram que a larga maioria da população encara hoje as alterações climáticas como um problema sério e resultante da ação humana. Assim, os esforços dos ativistas climáticos deveriam ser vistos como positivos. Contudo, explica-nos a investigadora do CIS-Iscte Miriam Rosa, “os ativistas ambientais podem ser interpretados como hostis ou excêntricos, sobretudo quando se considera que tentam obrigar os outros a adotarem os seus comportamentos”. Esta associação entre ativismo e extremismo, com uma conotação negativa, é muitas vezes reforçada na comunicação social, e pode fazer com que pessoas que até partilham muitas das suas ideias não queiram associar-se ao rótulo de “ativista”.


Um exemplo recente de ativismo com grande visibilidade mediática e que impulsionou o movimento climático jovem atual é o de Greta Thunberg, cujos discursos foram analisados pelas investigadoras do CIS-Iscte Alice Fonseca, estudante do doutoramento em psicologia do Iscte, e Paula Castro, professora catedrática de Psicologia do Iscte. O seu trabalho incidiu sobre 25 discursos de Thunberg proferidos em eventos de visibilidade mundial entre 2018 e 2020, e analisou as dicotomias de significado que os estruturam, as posições da ativista face às dicotomias apresentadas, o modelo de cidadania ambiental que essas posições definem, e como são representados os seus atores.


Os resultados indicam que os discursos de Thunberg se centram nos contrastes ação/inação (condenando as políticas atuais como inação e apelando à ação), conhecimento/ignorância (apelando ao reconhecimento da evidencia científica), vítimas/perpetradores (condenado os líderes mundiais), e mudança sistémica/manutenção (apelando à mudança e participação de mais atores na definição do rumo desta). Ou seja, os discursos recuperam significados do discurso dominante na governação climática atual, em particular a centralidade oferecida à ciência., mas contestam outros, defendendo uma sociedade menos centrada em direitos e escolhas ambientais individuais, e que valoriza os deveres coletivos e maior participação.


Ademais, a caracterização de Thunberg dos atores climáticos ajuda a questionar a credibilidade de alguns e a reforçar a de outros. Ela foi analisada em função de duas dimensões- competência e cordialidade -, definidas por um modelo da psicologia social (SCModel) que indica que elas capturam bem a forma como as pessoas descrevem os outros, e são historicamente estáveis. A análise revela que os discursos de Thunberg apresentam os líderes como frios (com baixa cordialidade) mas também com pouca competência (incapazes de ação eficaz). Este resultado “contrasta com o que está descrito na literatura, que mostra que pessoas de alto estatuto, como os líderes, são usualmente caracterizadas como frias, sim, mas competentes”, diz P. Castro. Quanto aos jovens, a quem o estereótipo habitual aponta mais cordialidade do que competência, a ativista destaca-os nos discursos como competentes e capazes, não se referindo à cordialidade.


Este afastamento dos estereótipos habituais é muito importante, pois, como indica A. Fonseca, “a representação positiva da juventude nos discursos de Thunberg tem implicações para a afirmação dos jovens como atores políticos e climáticos relevantes, apoiando a autoconfiança deste grupo e abrindo espaço para a sua participação mais alargada no debate das alterações climáticas, em fóruns nacionais e internacionais”.

© 2019 Pascal Bernardon | Unsplash


Porém, parece haver ainda muito a fazer para que esta caracterização dos jovens se afirme. Partindo desta premissa, Catarina Farinha, mestre pelo Iscte, e Miriam Rosa, analisaram o papel da idade na avaliação de ativistas ambientais com um discurso radical, não só na competência e cordialidade, mas também numa terceira dimensão– a de confiabilidade. Miriam explica: “visto que os jovens tendem a ser vistos como menos competentes e mais calorosos, e os ativistas tendem a ser vistos como competentes, mas pouco calorosos (por exemplo, hostis)”, a conjugação jovens/ativistas faria com que não se antecipassem diferenças entre ativistas jovens e mais velhos nestas duas dimensões. No entanto, a diferença seria surgiria na confiabilidade, um aspeto que parece ser “importante na formação de estereótipos e que tem vindo a ser considerado dentro da dimensão da cordialidade, mas poderá ser independente”.


Assim, numa experiência online, uns participantes avaliaram características de uma ativista jovem e outros de uma ativista mais velha, que proferiam ambas exatamente a mesma mensagem (radical). Os dados mostraram uma avaliação alta e semelhante na competência para ambas as ativistas, e mais baixa, e também semelhante, na cordialidade. Porém, a confiabilidade – ainda que alta – era mais baixa para a ativista mais jovem. Estes resultados sugerem que é importante que os ativistas mais novos tenham atenção redobrada para tornar visíveis a sua honestidade e sinceridade, procurando reforçar a confiabilidade.


No conjunto, estes estudos sublinham a importância de a investigação identificar e analisar as várias dimensões em que os ativistas ambientais podem ser avaliados, para melhor se entender o que fomenta a resistência face à suas mensagens. Daí que P. Castro e M. Rosa tenham preparado um último estudo, também experimental, para esclarecer melhor a contribuição de cada uma destas dimensões para a imagem controversa dos ativistas, e para sua capacidade de influenciar a ação, e se essa contribuição difere conforme a mensagem é mais radical/moderada. Os resultados preliminares sugerem que, se são mais moderados, os ativistas têm avaliações de confiabilidade mais baixas, e que quanto mais são vistos como cordiais (a dimensão em que mais são penalizados) mais têm capacidade de influenciar.


Em suma, estes estudos sugerem que os ativistas climáticos parecem receber da sociedade mensagens paradoxais: sendo jovens, uma imagem social de competência é importante para entrar em lugares de influência política, mas precisam mostrar que são de confiança; para isso, não podem ser (muito) moderados, senão perdem confiabilidade; em qualquer idade, é bom serem pelo menos um pouco cordiais, senão perdem influência direta.


Sugerem também que socialmente se discutam as possíveis origens da assimetria de confiabilidade entre jovens e mais velhos – como por exemplo, representações mediáticas da juventude que podem estar concentradas, ao contrário, dos discursos de G. Thunberg, em comportamentos dos jovens que podem ser associados a menor confiabilidade, e negligenciam a divulgação de outros que apoiam motivos para mais confiabilidade.

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