Quais são os perfis das (potenciais) famílias de acolhimento em Portugal?
- Pedro Simão Mendes
- há 4 dias
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Este estudo português mapeou as características e motivações de adultos mais propensos a se tornarem famílias de acolhimento, oferecendo novas orientações para a implementação de iniciativas de proteção na infância no contexto português. Com base numa amostra representativa da população, os resultados desta investigação têm o potencial de informar estratégias de recrutamento de potenciais famílias de acolhimento.

São 418 as crianças que atualmente vivem com famílias de acolhimento, mas de acordo com a campanha promovida em 2024 pelo Governo, mais de 6000 crianças em Portugal precisam de uma família de acolhimento. Neste cenário, informar as estratégias de recrutamento de potenciais famílias de acolhimento é essencial para garantir que mais crianças em perigo beneficiem do amor e do suporte de uma família de acolhimento.
Neste estudo, a equipa de investigação recorreu ao quadro conceptual denominado COM-B para compreender por que razão as pessoas ponderariam tornar-se famílias de acolhimento. Este modelo considera que o comportamento humano pode ser determinado por fatores a três níveis, aqui aplicados ao acolhimento familiar: Capacidade: se alguém tem as competências, os conhecimentos ou a capacidade física para acolher uma criança; Oportunidade: se o ambiente ou a situação em torno de uma pessoa torna o acolhimento possível, como ter o apoio da família ou acesso a recursos; e Motivação: se uma pessoa se sente inspirada ou motivada para se tornar pai ou mãe de acolhimento, e para cuidar de crianças em risco e perigo.
A equipa de investigação auscultou uma amostra representativa da população portuguesa com mais de 25 anos (a idade legal para se ser família de acolhimento) sobre diferentes aspetos relacionados com o acolhimento familiar e, especificamente, com o modelo COM-B. De acordo com a autora principal Eunice Magalhães, investigadora do Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS-Iscte) do Iscte, “para compreender de que forma as pessoas se podem tornar família de acolhimento, analisámos aspetos como a confiança das pessoas em relação à parentalidade, os seus traços de personalidade e a sua saúde mental e física (capacidade)”, todos estes são fatores que influenciam a capacidade de alguém assumir responsabilidades de cuidado. Além disso, a equipa de investigação analisou o apoio social que as pessoas têm de amigos ou da família e o funcionamento da sua família (oportunidade) enquanto fatores que podem facilitar ou dificultar a disponibilidade para acolher e o processo de acolhimento. Para avaliar por que razão alguém pode querer acolher uma criança (motivação), consideraram razões comuns encontradas em estudos anteriores, como cuidar de crianças, querer apoiar a sua própria família ou razões pessoais. “Também analisámos o grau de familiaridade das pessoas com o acolhimento familiar, a sua disposição e intenção de se tornar família de acolhimento”, afirmou Eunice Magalhães. “Estes dados permitiram-nos identificar o grau de disponibilidade de alguém para dar esse passo”, explicou a investigadora.
Com base em todas estas informações, as pessoas foram agrupadas em três perfis diferentes, de acordo com a sua disponibilidade para se tornarem famílias de acolhimento. Joana Baptista (CIS-Iscte) esclarece que, em geral, “alguns participantes demonstraram elevada familiaridade, disposição e intenção de acolher, o que designámos como ‘Diligentes’; outros pareciam estar dispostos, apesar da sua reduzida familiaridade e intenção, o que designámos como ‘Disponíveis’; e as pessoas que apresentaram níveis baixos em todos os indicadores foram designadas como ‘Relutantes’”. Mas o que distingue estes perfis?
Os resultados revelaram que ter filhos/as e contacto com o sistema de proteção assim como níveis mais elevados de bem-estar social e de autoeficácia parental estão significativamente associados a maior probabilidade de uma pessoa se enquadrar nos perfis de maior diligência e disponibilidade. “Verificámos que os/as participantes estavam mais inclinados a considerar o acolhimento familiar, possivelmente devido a uma maior confiança no seu potencial papel parental ou a um sentido de bem-estar mais elevado”, afirmou Joana Baptista. Por outro lado, pessoas sem filhos ou sem contacto prévio com os serviços de proteção eram mais frequentemente classificados como relutantes.
O acolhimento familiar pode ser um ambiente familiar alternativo promotor de um bom desenvolvimento das crianças em perigo, potenciando as suas possibilidades de atingir o seu verdadeiro potencial. No entanto, a escassez de famílias de acolhimento continua a comprometer as possibilidades de crianças em perigo em Portugal e em todo o mundo se desenvolverem de forma mais adaptativa. Com base nos resultados deste estudo, a equipa de investigação enfatiza a importância de campanhas de divulgação direcionadas que promovam a sensibilização e destaquem motivações centradas na criança, tais como proporcionar amor e um ambiente seguro, assim como a perceção de auto-eficácia parental. Campanhas que recorram às atuais famílias de acolhimento como embaixadoras também foram recomendadas como uma estratégia promissora para acelerar o recrutamento de novas famílias de acolhimento. Idealmente, esses esforços devem ser adaptados a cada perfil. “Adaptando as estratégias de comunicação para se adequarem aos níveis de motivação e capacidade de diferentes grupos, podemos contribuir para minimizar a escassez de famílias de acolhimento de forma mais eficiente e garantir que as crianças em situação de vulnerabilidade encontrem as famílias alternativas de que precisam», conclui Eunice Magalhães.
Este estudo foi publicado na revista científica Child Abuse & Neglect com a co-autoria de Patrício Costa (ICVS/3B’s; FPCEUP), Leonor d’Eça (Iscte), Mariana Matoso (Iscte), Vânia S. Pinto (Rees Centre, University of Oxford; Leeds Trinity University), Sofia Ferreira (CIS-Iscte) e João Graça (University of Groningen) e foi financiado pela Fundação La Caixa (Projeto: FP23-1B023).
Texto escrito por Pedro Simão Mendes (Gestor de Comunicação de Ciência)