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Luísa Lima homenageada no livro “Mulheres na Ciência” 2023

Luísa Lima, professora catedrática do Iscte-Instituto Universitário de Lisboa e investigadora no Centro de Investigação e Intervenção Social, foi homenageada na edição de 2023 do livro "Mulheres na Ciência".


No testemunho que deixa no livro, a psicóloga social partilha que “a complexidade das relações sociais e o seu poder transformativo” sempre a fascinaram, e salienta o papel dos laços sociais no seu trabalho de investigação e como os contextos moldam os comportamentos. A investigadora acredita “que nos tornamos melhores pessoas quando tomamos consciência do impacto que os outros têm na nossa vida e do impacto que temos na vida dos outros.”

Aproveitámos esta oportunidade para fazer umas perguntas a Luísa Lima.

© 2023 Rodrigo Cabrita | Ciência Viva


Pode falar-nos de um projeto ou descoberta de que se orgulha particularmente?

Tenho muito orgulho do trabalho que realizei com as minhas estudantes de doutoramento. Penso que fizemos investigação muito inovadora na área da psicologia social aplicada à saúde e ao ambiente. E orgulho-me muito do facto de ter levado a psicologia social para os estudos de impacto ambiental, em particular dos que foram feitos para a construção das primeiras incineradoras de resíduos sólidos em Portugal. A investigação que fizemos (Lima, 2004) mostrou que a perceção de risco e as atitudes negativas face à construção da incineradora por parte dos residentes mais próximos estão associadas a uma diminuição da sua qualidade de vida - pelo aumento do stress, ansiedade e depressão. Quer isto dizer que, mesmo que não haja evidência de que a incineradora pode provocar doença física, a preocupação com o tema impacta a saúde mental dos residentes mais próximos. Foi com esta perspetiva que participei depois em muitos outros estudos de impacto psicossocial de grandes obras polémicas (barragens, aeroportos, incineradoras de resíduos hospitalares), procurando que as perceções dos residentes fossem levadas em conta na decisão final e que pudesse haver compensações pelo sofrimento que iriam ter associado à construção destas infraestruturas. A identificação dos fatores sociais que protegem os moradores nesta situação de ameaça (como a identidade local, o sentido de comunidade, a perceção confiança e de justiça) foi outro aspeto que gostava de salientar na minha pesquisa (por exemplo, Marques & Lima, 2011). Ultimamente tenho trabalhado nos impactos positivos para a saúde do contacto com a natureza e da participação em coletivos, e são também áreas que me fascinam.


Como pensa que a ciência pode ser usada para enfrentar alguns dos maiores desafios que as mulheres e raparigas enfrentam em todo o mundo, tais como a desigualdade de género?

A ciência pode ajudar expondo essas desigualdades mostrando os mecanismos que as perpetuam. Os estereótipos de género estão presentes em todos os aspetos da nossa vida e condicionam-nos porque criam expetativas que não são apenas diferentes para homens e mulheres: são menos positivas para as mulheres do que para os homens, mantendo as desigualdades. Nos estudos que fizemos sobre os estereótipos de género na dor crónica (Bernardes & Lima, 2011) mostramos que os profissionais de saúde desvalorizam as dores das mulheres comparativamente com as dos homens, especialmente se elas agirem de forma estoica. Quer dizer, que se as mulheres não corresponderem ao estereótipo feminino de ser sensíveis e frágeis e não se queixarem da dor que sentem os seus sintomas vão ser menos considerados, e a dor vai ser menos medicas. No caso dos homens, independente do seu comportamento mais ou menos estoico, a credibilidade da dor e a avaliação clínica é sempre maior do que quando a doente é uma mulher. É mais uma situação em que os estereótipos de género penalizam claramente as mulheres. Os profissionais de saúde ficam sempre muito desconfortáveis quando apresentamos estes dados de estudos experimentais, porque mostram que os estereótipos agem de formas muito subtis. Mas expor estas evidências científicas de desigualdades de género é o primeiro passo para a mudança.


Que mensagem gostaria de deixar às jovens mulheres que estão a iniciar ou a considerar uma carreira na ciência?

O Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres, no Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência fez um discurso muito importante sobre este tema em que reconhece a urgência de combater estas desigualdades na ciência. Eu gostaria apenas de lembrar às jovens cientistas que começam que não esperem entrar num mundo ideal, porque o mundo da ciência nem é neutro nem é feito de estrelas. Não é neutro, no sentido que não é imune a preconceitos de género, de idade, de etnia ou de estatuto social. Nem é feito de estrelas, no sentido em que o trabalho que realizamos é feito em coletivo, com muita colaboração, e não por pessoas geniais iluminadas. Temos de lutar muito para ser ouvidas e para sermos respeitadas, como nas outras profissões; como noutras profissões, temos de nos apoiar umas às outras para conseguirmos alcançar metas que para os homens são naturais. Mas não sendo o mundo da ciência esse mundo perfeito, é um mundo em que temos uma enorme liberdade para fazer perguntas e procurar respostas. E por isso vale a pena ser cientista.



Atribuído pela Ciência Viva, a Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, o livro “Mulheres na Ciência” pretende homenagear as mulheres cientistas portuguesas, que representam 45% do total de investigadores em Portugal e cujo trabalho notável tem sido fundamental para o progresso que a Ciência e a Tecnologia nacionais registaram nas últimas décadas. A iniciativa “Mulheres na Ciência” começou em 2015 com a exposição de fotografia Mulheres na Ciência, inaugurada a 8 de Março – o Dia Internacional da Mulher, no Pavilhão do Conhecimento, seguida no lançamento um ano depois, da primeira edição do livro Mulheres na Ciência, que além dos 20 retratos da exposição de fotografia, integrou 117 novos retratos de investigadoras nacionais. O livro conta agora com a sua 4ª edição, publicada em 2023, também no Dia Internacional da Mulher.

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