Uma investigação realizada no Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS-Iscte) revelou que a desumanização dos cuidadores informais e as perceções de justiça dos indivíduos podem contribuir para que o sofrimento dos cuidadores seja desvalorizado.
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Apesar do aumento do número de indivíduos dependentes, resultante da tendência global de envelhecimento populacional e da prevalência de doenças crónicas, os governos e a sociedade em geral continuam a não priorizar a segurança, saúde e bem-estar dos cuidadores informais. Estes/as cuidadores/as desempenham um papel crucial na atividade económica e bem-estar social no contexto de um sistema de saúde subfinanciado, frágil e fragmentado, mas o seu papel acaba por não ser reconhecido e é, muitas vezes, desvalorizado socialmente.
Ângela Romão (CIS-Iscte), aluna de Doutoramento em Psicologia do Iscte, e Isabel Correia, investigadora do CIS-Iscte, procuraram perceber o que pode levar a que os cuidadores informais não sejam socialmente reconhecidos e valorizados. Para tal, procurou-se analisar o papel da desumanização dos cuidadores informais e das perceções de justiça dos indivíduos no modo como as pessoas percecionam os cuidadores e o seu sofrimento. Os resultados mostraram que os cuidadores informais foram desumanizados, ao lhes serem atribuídas emoções que são comumente partilhadas entre humanos e animais (ex. tristeza, dor), mas negadas emoções que são consideradas exclusivamente humanas (ex. melancolia, vergonha). Este fenómeno foi especialmente observado entre os participantes no estudo que mais concordavam que as pessoas têm o que merecem (o conceito de Crença no Mundo Justo). Para além disso, a Crença no Mundo Justo dos participantes e a desumanização dos cuidadores levaram a que os participantes desvalorizassem mais o sofrimento dos cuidadores. Esta dinâmica paradoxal sugere que acreditar num mundo justo, que deveria promover a justiça, pode inadvertidamente levar a minimizar os desafios e dificuldades enfrentados pelos cuidadores informais.
Os resultados também mostraram que as diferenças na desumanização não foram explicadas pelo género dos cuidadores informais.
“Isto sugere que este efeito não é impulsionado pelas características do próprio cuidador, mas sim pela exigência do seu papel, isto é, a exposição a eventos traumáticos, ao sofrimento, e rotinas de cuidado muito exigentes”, explica Ângela Romão.
Negar a humanidade e as dificuldades diárias enfrentadas pelos cuidadores informais pode ser tanto útil quanto prejudicial: é uma estratégia funcional e adaptativa empregue por aqueles que têm maior dificuldade em lidarem com o sofrimento alheio e estão mais motivados a perceber o mundo como um lugar justo, e, ao mesmo tempo, é prejudicial para os cuidadores, uma vez que agrava a situação em que se encontram.
“O estudo destes processos psicológicos é importante para melhor compreender os mecanismos subjacentes à falta de reconhecimento social dos cuidadores informais e fornece pistas sobre potenciais estratégias de intervenção para melhorar a sua situação desfavorecida. Será extremamente difícil atender às crescentes necessidades de cuidado de uma população envelhecida sem reconhecer o papel vital desempenhado por milhões de cuidadores informais.”, conclui Isabel Correia.
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