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Dia Mundial da Alimentação 2023

  • Foto do escritor: Pedro Simão Mendes
    Pedro Simão Mendes
  • 16 de out. de 2023
  • 6 min de leitura

Atualizado: 12 de mar.

A 16 de outubro assinala-se o Dia Mundial da Alimentação. A propósito desta data, fomos falar com a investigadora do CIS-Iscte Marília Prada, que tem investigado fatores individuais e contextuais que afetam a adoção de dietas mais saudáveis.



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Marília Prada é Professora Auxiliar com Agregação na Escola de Ciências Sociais e Humanas do Iscte e investigadora no CIS. Para além da sua experiência no desenvolvimento e validação de instrumentos, os seus interesses de investigação incluem a Perceção de alimentos e comportamento alimentar, a área da Cognição social, o estudo das Atitudes, o Efeito do priming emocional, e o comportamento de consumo.


A Marília tem desenvolvido e trabalhado em projetos que pretendem compreender o comportamento relacionado com a adoção de alimentação saudável. Pode falar-nos sucintamente da sua investigação nesta área?

A minha investigação no âmbito da alimentação organiza-se em quatro eixos principais. Primeiramente, interessei-me pelo impacto de como alguns atributos destacados nas embalagens dos alimentos podem modular a perceção dos consumidores. Por exemplo, temos verificado que atributos como “origem biológica”, “sem glúten” ou “sem açúcar adicionado” podem levar as pessoas a ver os produtos como mais saudáveis e menos calóricos. Temos também trabalhado na identificação de fatores que constituem barreiras e facilitadores de dietas à base de plantas, nomeadamente a semelhança entre a carne e o animal que lhe dá origem ou a perceção de alternativas à carne. Uma linha em que temos investido bastante é na investigação dos fatores subjacentes ao consumo de produtos de elevado teor de açúcar. Por um lado, temos focado determinantes individuais relacionados com a capacidade das pessoas em reduzir o consumo de açúcar como o conhecimento do limite máximo recomendado ou a identificação de ingredientes enquanto fontes de açúcar. Por outro lado, temos explorado variáveis relacionadas com o contexto, incluindo a análise da qualidade nutricional de categorias de produtos presentes no mercado nacional (por exemplo, cereais de pequeno-almoço) ou até de que forma pistas subtis como a música influenciam a perceção de doçura de diferentes alimento.

Por último, recentemente integrei a equipa de um projeto internacional que visa promover a adesão aos princípios da Dieta Mediterrânea nas cantinas universitárias.

O que a motivou a estudar o tópico da redução de açúcar, como no projeto Sugar, e porque é que esta área é importante no contexto da saúde pública?

O meu interesse pelo tópico surgiu da minha experiência enquanto consumidora ao constatar que a generalidade dos produtos processados contém uma ou várias fontes de açúcar. A maioria das pessoas não tem dúvidas acerca do elevado teor de açúcar de algumas categorias de produtos (como refrigerantes, pastelaria). Porém, outros são menos evidentes (por exemplo molhos, pão). Esta questão é altamente relevante do ponto de vista da saúde pública uma vez que o consumo excessivo de açúcares livres tem sido associado a um risco acrescido de diferentes doenças crónicas.

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© 2018 Rod Long | Unsplash


Os nossos estudos com amostras portuguesas sugerem que as pessoas estão conscientes destas consequências negativas e tendem a apoiar intervenções para a redução do consumo de açúcar. Ainda assim, estima-se que cerca de 25% dos adultos em Portugal ingere diariamente uma quantidade de açúcares livres superior à recomendada pela OMS. Resolver este problema é altamente complexo, envolvendo múltiplos stakeholders para além dos consumidores, como entidades governamentais, comunicação social e, inegavelmente, a indústria alimentar. Não só a comunicação das características nutricionais dos alimentos deve ser mais eficaz, como a própria composição de muitos produtos poderia ser melhorada para ir ao encontro das recomendações atuais. Uma das minhas citações preferidas a este respeito é algo como “é mais fácil mudar os produtos que mudar as pessoas” (David J. Mela).

O CIS-Iscte participa como parceiro no projeto “MedDietMenus4Campus”. Qual o objetivo deste projeto e qual o contributo da Psicologia para a mudança dos hábitos de alimentação no contexto deste projeto?

Este projeto é desenvolvido por um consórcio europeu, com parceiros em Portugal, Turquia e Croácia. O principal objetivo é analisar em que medida os menus oferecidos em cantinas universitárias respeitam os princípios da Dieta Mediterrânea e identificar oportunidades de intervenção (por exemplo, promoção de hábitos alimentares mais saudáveis e sustentáveis através de maior oferta de produtos locais, de estação e de base vegetal). A abordagem é multidisciplinar e integra investigadores em nutrição, saúde pública, marketing e psicologia. A meu ver, a psicologia contribui não só com perspetivas teóricas acerca dos diferentes determinantes de mudança comportamental, mas também pela abordagem metodológica.


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© 2017 Dan Gold | Unsplash


Que resultados espera deste projeto?

O projeto prevê a implementação de um conjunto de estratégias de promoção de alimentação saudável e sustentável que incluem campanhas de marketing social e a disponibilização de um novo produto (“student bag”) em instituições dos três países participantes.

A Marília coordena, a par com a investigadora Magda Saraiva do Ispa, um projeto recentemente financiado – o "LessSugar4Kids". Qual o objetivo do projeto?

O consumo excessivo de açúcar em Portugal é ainda mais preocupante em crianças e adolescentes, verificando-se uma prevalência elevada de excesso de peso e obesidade nestes grupos etários. O nosso projeto anterior incluiu estudos qualitativo que nos forneceram pistas relevantes. Por exemplo, num estudo com estudantes universitários, foi sugerido a necessidade de intervenção mais precoce ao nível da promoção de hábitos alimentares saudáveis. Tal como mencionado por um participante de 18 anos “para nós já é tarde!”. Por outro lado, um estudo com pais de crianças no 1º ciclo, mostrou claramente que apesar da atitude negativa face ao açúcar – frequentemente descrito como um “veneno” ou equacionado a “droga” - os pais têm muitas dúvidas acerca da composição dos produtos que oferecem aos filhos. Para além disso, é evidente a existente de crenças e práticas ambivalentes (por exemplo, recompensar o bom comportamento com uma gulodice).

O LessSugar4Kids visa assim contribuir para a promoção de hábitos alimentares saudáveis em crianças – em particular a redução do consumo de açúcar. Para tal, iremos analisar não só as perspetivas dos pais (ou outros cuidadores) sobre o tópico, mas também dos professores e das próprias crianças.


O que espera deste projeto?

Com este projeto esperamos não só contribuir para o desenvolvimento da literatura, mas principalmente contribuir para o desenvolvimento de estratégias baseadas em evidência que facilitem escolhas alimentares saudáveis para as crianças e as suas famílias. Especificamente, iremos desenvolver ferramentas (“toolkit”) para que o tema de alimentação saudável seja abordado tanto em casa como em contexto de sala de aula, incluindo jogos pedagógicos com informação acerca do teor de açúcar (e outros nutrientes) de alimentos infantis e sugestões de alternativas.

Considerando o seu conhecimento nesta área, como sugere que os decisores políticos e organizações de saúde possam utilizar dados científicos para informar campanhas de saúde pública mais eficazes, não só na redução de açúcar, mas também na promoção de hábitos de consumo mais saudáveis?

Ainda que continue a acreditar na importância da promoção de competências de literacia nutricional de forma a facilitar a tomada de decisão mais consciente, cada vez mais defendo a necessidade de intervenção ao nível do contexto. Há uma enorme necessidade de mudança da oferta alimentar tanto no sector de retalho como da restauração. Por exemplo, estudos internacionais mostram que existem açúcares adicionados em cerca de 75% dos produtos processados. É assim essencial garantir a reformulação da composição de produtos de forma que fiquem efetivamente mais saudáveis, não bastando baixar o teor de açúcar para o limiar que garante um Nutriscore verde (por exemplo, uma famosa marca de cereais infantis é aparentemente uma boa escolha porque baixou o açúcar para 22.4 g/100 de produto, sendo que mais 0.1 g faria com que o produto fosse considerado como tendo elevado teor de açúcar). O comportamento alimentar é altamente complexo e é essencial percebermos melhor como as pessoas processam informação acerca dos alimentos, que inferências (muitas vezes infundadas) fazem a partir de certos atributos salientados nas embalagens, e quais as motivações inerentes a determinadas escolhas de forma a promover hábitos mais saudáveis.

Que conselho deixaria às pessoas que pretendem fazer escolhas alimentares mais saudáveis e reduzir o consumo de açúcar, com base nos conhecimentos que obteve com a sua investigação?


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© 2021 Michael Burrows | Pexels


Um consumidor que queira evitar o consumo inadvertido de açúcar pode começar por tentar reduzir o consumo de bebidas e alimentos altamente processados. Treinar a leitura de rótulos é também crucial para evitar enviesamentos (por exemplo, um produto light não é necessariamente um produto com baixo teor de açúcar; um produto “sem açúcar adicionado” não é necessariamente um produto sem açúcar). Outra estratégia passará por ler a lista de ingredientes de forma a identificar sinónimos de açúcar (por exemplo, xaropes). Nem sempre é fácil implementar estas estratégias, uma vez que há estudos que mostram existir acima de 150 nomenclaturas para açúcares. Para terminar, quero salientar que a minha posição não é a eliminação total de alimentos ricos em açúcar, mas sim a tomada de decisões conscientes e informadas no quotidiano, sendo que o consumo de alimentos ricos em açúcar deverá ocorrer em situações excecionais.

O Dia Mundial da Alimentação foi instaurado pela Organização das Nações Unidas em 1979 para celebrar a criação da sua Organização para a Alimentação e a Agricultura. Desde 1981, a celebração deste dia segue um tema específico em cada ano. A edição de 2023, sob o mote “Água é vida, água é alimento. Não deixar ninguém para trás.”, é dedicada à água e pretende sensibilizar para a sua importância, sobretudo no contexto das alterações climáticas.


Texto escrito por Pedro Simão Mendes (Gestor de Comunicação de Ciência)

 
 

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